Flávia Bomfim fala sobre o rosto, em exposição “Com quantos pontos se desfaz um rosto?” (RV Cultura e Arte, 2019), na qual o release me provoca:
Um rosto sempre denuncia. Um olho sempre captura. Mas o que captura? Entender o que nosso olhar captura e interpreta em um outro rosto é justo o xis da questão: um outro olho? O seu piscar? Um sinal? Um tique? Uma cicatriz? Uma determinada angulação de uma ruga?
Flávia Bomfim
Um rosto é também um sistema de controle. O rosto do patriarcado, por exemplo. Os olhos do Big Brother, o panóptico de Foucault. O que devemos ser, mostrar e fazer. O rosto-Cristo, aquele branco, bom, homem, europeu. O que disso desvia é erro de fabricação, e pecado é nunca podermos alcançar este rosto não pervertido. Fadados à neurose, nunca chegamos lá.
Dias depois de entrar em contato com a produção artística de Flávia, e também ter conversado com ela sobre esse tema da exposição, acabo revelando para uma amiga – em conversa no Instagram que aqui transcrevo, omito e edito, mas também escancaro a coloquialidade da minha comunicação – o monstro que por tanto tempo habitou em mim:
Áudio [1min00seg], 26 mai. 2022, às 14h26min:
Pra concluir, por que é um desafio, para mim, me interessar por alguém como [nome ocultado]? Porque eu me via como um monstro. Eu cresci me vendo como um monstro. Eu tive uma imagem muito destruída. Hoje, o esforço que eu tenho é de entender que eu não sou esse monstro, entende? Então, por isso que eu falo que as pessoas sempre me julgam muito, fazem muitas projeções que não têm a ver comigo, tanto do ponto de vista positivo como negativo. Então, agora eu tô começando a entender que, por alguma razão, as pessoas me acham bonita – eu acho que já te falei sobre isso -, mas eu passei a minha vida toda me vendo como um monstro, entendesse? Um monstro. Imagina um monstro. Então, como é que um monstro vai ser amado? Como é que um monstro pode ser amado por alguém como [nome ocultado], entendeu? Então, é isso, é mudar a perspectiva. É dizer, assim: “Olha, eu não sou um monstro. Eu sou uma pessoa que sou capaz… é… de ser amada, de ir em busca de uma referência diferente”. Então, eu não preciso me submeter a ser amada por [nome ocultado], que me humilha, porque eu não sou esse monstro.
Áudio [00min52seg], 26 mai. 2022, às 14h27min:
Porque eu não sou esse monstro que não tem direito de escolha, que deve aceitar ser humilhada, sabe? Vivendo um relacionamento abusivo. Então, é… O que eu percebi – e [nome ocultado] teve essa influência muito positiva pra mim – que é: “Fernanda…” – falando pra mim mesma, assim, né? – “…você é bonita, você tem uma dimensão sensível, você é uma pessoa boa, você é uma pessoa que merece pessoas boas, sabe? Você merece ir em busca do que você quer”. Então, resumindo, é isso. Por isso que é tão difícil. É difícil você passar de se ver como um monstro, que não pode escolher nada na vida, pra passar a se ver como uma pessoa que escolhe, que vai em busca – sabe? – dos desejos, do que quer. É… E começar a se ver de uma forma positiva.
MulherMonstro
Frankenstein foi escrito, em 1818, por Mary Shelley, a MulherMonstro.
Quantas vezes você já não se viu em retalhos pelo olhar do outro?
Que tipo de monstro te quiseram construir?
Acredito que cada um de nós temos um Ser-Monstro ou Estar-Monstro. Seja ele intocado ou revelado.
Eu te revelo os meus.